D. Rui Valério: Brasão episcopal do Patriarca de Lisboa
Descrição Heráldica
Escudo azul-celeste dividido em três campos por cruz em prata. No campo superior, a pomba em prata; no campo à esquerda, uma vieira sobre três linhas onduladas, tudo em ouro; no campo à direita, estrela de sete raios de ouro.
O escudo assente sobre cruz arquiepiscopal (patriarcal) de ouro com pedraria de vermelho, encimada por chapéu de 15+15 borlas, como é uso dos Patriarcas da Igreja Latina, tudo de púrpura como é próprio do Patriarca de Lisboa.
Sotoposto ao escudo, listel dourado que ostenta o lema a vermelho, em maiúsculas, “IN MANIBUS TUIS”.
Interpretação
O azul-celeste inunda o espaço do escudo. É a cor dos Céus que a tradição cristã identifica com o Sagrado, com Deus, a origem absoluta de tudo quanto existe. É para o Céu que o crente é convidado a dirigir a sua atenção. É nele que habita a sua Pátria definitiva. Peregrinamos no tempo à procura da eternidade. Não foi para a escassez dos instantes que fomos criados, mas para essa morada definitiva e intemporal que a cada momento nos interpela a deixarmos tudo por seu amor.
A cruz da sabedoria. Y: O brasão está centrado na primeira letra de YIÓS, Filho. Evoca Cristo, o Filho amado do Pai que, na cruz, de braços abertos e estendidos, se oferece pela salvação do mundo. Afirmação cristocêntrica, pois tudo se realiza a partir d’Ele e converge para Ele que, no Sacrifício de amor, nos revela a Verdadeira Sabedoria. A cruz da sabedoria que divide o campo do escudo, é memória de Cristo crucificado, “escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas, para os que são chamados, é poder e sabedoria de Deus. Porque, o que é tido como loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é tido como fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1 Cor 1, 23-25).
Rasga-se o Céu e o Espírito desce sobre Jesus, em forma de pomba (Lc 3, 21-22). É o dom inaudito que o Pai comunica ao Filho para que este o reserve sobre todos os que abraçarem a boa notícia segundo a qual Deus nos ama sem reservas nem limites. É no Espírito que a vida íntima de Deus se derrama sobre a humanidade. Através do Espírito, Deus consagra o seu eleito para a missão de “anunciar a Boa-Nova aos pobres”, “proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista”, “libertar os oprimidos” e “proclamara um ano favorável da parte do Senhor” (Lc 4, 18-19).
No batismo – que a vieira e as linhas onduladas das águas simbolizam – o crente é ungido no Espírito e enxertado em Cristo. Uma nova vida se configura no coração do homem novo. As águas primordiais são o princípio da vida, a renovação do ser e a recuperação de tudo o que parecia perdido. Mas este dom deve ser recursivamente trazido à consciência e nela assumido. Assim, ao longo da vida, entre tribulações e caminhos inesperados, torna-se necessário renovar essa promessa originária que um tempo fora efetuada no baptismo, como Luís Maria Grignion de Monfort propôs, no carisma que doou à Igreja. Ainda, segundo uma interpretação fundada em Santo Agostinho, a vieira evoca a profundidade do mistério de Deus no qual o baptismo, pelo dom do Espírito Santo, nos faz mergulhar.
As águas onde a vida baloiça recordam também o tempo que servi na Armada e nela entendi quão valiosa é a camaradagem e o bem comum.
Mas a história pessoal tem as suas particularidades. Nascido na Diocese de Leiria-Fátima, foi à luz e Maria, a Mãe de Jesus e a Senhora de Fátima, a Senhora mais brilhante que o sol, que amadureci para a vida cristã. E por um acaso providencial, encontrei a congregação dos padres monfortinos, onde cresci humana e espiritualmente, nessa devoção a Maria que é caminho para Deus. Foi à sombra do olhar atento e materno de Nossa Senhora de Fátima que vi medrar em mim a vocação sacerdotal e o desejo de entrega aos humildes e aos pobres (Lc 1, 52-53), bem como às crianças a quem Maria se fez presente nesse desconhecido fim do mundo que era, então, a Cova da Iria. Foi aí também que incessantemente a Senhora de Fátima se não cansou de repropor o apelo à oração e à conversão, no espírito originário da Boa Nova: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-nos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15).
“O meu destino está nas tuas mãos” (Sl 31, 16), canta o salmista no meio das provações da vida. Não há maior felicidade do que abandonar-se inteiramente nas mãos de Deus, nas mãos d’Aquele que nunca nos falta, ainda que se desmoronem todas as certezas e vacile a confiança entre os homens. Só Deus basta.
Segundo a interpretação de Santo Ireneu, as mãos de Deus são o Seu Filho, Jesus Cristo, e o Espírito Santo, nos quais nos é dado viver.
E conquanto Cristo haja sentido o mais atroz de todos os sofrimentos (Mc 15, 34), foi nas mãos do Pai que ele entregou confiadamente o seu espírito (Lc 23, 46). Vivo, por isso, no desejo ardente de permanecer, sossegado e tranquilo, nas mãos de Deus, como criança saciada ao colo de sua mãe (Sl 131, 2).