IV Domingo da Páscoa A
Celebramos neste fim-de-semana o Domingo do Bom Pastor. É uma imagem muito conhecida já no Antigo Testamento. É um título de Cristo muito familiar aos primeiros cristãos. É um modelo apresentado a todos os que exercem alguma liderança na Comunidade.
Na primeira e segunda leituras, S. Pedro explica como entrar pela Porta, ou escutar a voz do Pastor: é preciso converter-se, ser baptizado e receber o Espírito Santo. Seguir o Pastor é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem, deixando de lado todos os esquemas de escravidão que tantas vezes percorremos.
No Evangelho Jesus apresenta-se como o Bom Pastor. É uma catequese sobre a Missão de Jesus: conduzir os homens às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude. Jesus vai cumprir com amor essa missão, no respeito absoluto pela identidade, individualidade e liberdade das ovelhas.
Leitura dos Actos dos Apóstolos
No dia de Pentecostes,
Pedro, de pé, com os onze Apóstolos,
ergueu a voz e falou ao povo:
«Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel
que Deus fez Senhor e Messias
esse Jesus que vós crucificastes».
Ouvindo isto, sentiram todos o coração trespassado
e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos:
«Que havemos de fazer, irmãos?»
Pedro respondeu-lhes:
«Convertei-vos e peça cada um de vós o Baptismo
em nome de Jesus Cristo,
para vos serem perdoados os pecados.
Recebereis então o dom do Espírito Santo,
porque a promessa desse dom é para vós,
para os vossos filhos e para quantos, de longe,
ouvirem o apelo do Senhor nosso Deus».
E com muitas outras palavras os persuadia e exortava,
dizendo: «Salvai-vos desta geração perversa».
Os que aceitaram as palavras de Pedro
receberam o Baptismo,
e naquele dia juntaram-se aos discípulos
cerca de três mil pessoas.
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e o meu cálice transborda.
A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.
Leitura da Primeira Epístola de São Pedro
Caríssimos:
Se vós, fazendo o bem, suportais o sofrimento com paciência,
isto é uma graça aos olhos de Deus.
Para isto é que fostes chamados,
porque Cristo sofreu também por vós,
deixando-vos o exemplo,
para que sigais os seus passos.
Ele não cometeu pecado algum
e na sua boca não se encontrou mentira.
Insultado, não pagava com injúrias;
maltratado, não respondia com ameaças;
mas entregava-Se Àquele que julga com justiça.
Ele suportou os nossos pecados
no seu Corpo, no madeiro da cruz,
a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça:
pelas suas chagas fomos curados.
Vós éreis como ovelhas desgarradas,
mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta,
mas entra por outro lado, é ladrão e salteador.
Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas.
O porteiro abre-lhe a porta e as ovelhas conhecem a sua voz.
Ele chama cada uma delas pelo seu nome e leva-as para fora.
Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem,
caminha à sua frente
e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz.
Se for um estranho, não o seguem, mas fogem dele,
porque não conhecem a voz dos estranhos».
Jesus apresentou-lhes esta comparação,
mas eles não compreenderam o que queria dizer.
Jesus continuou: «Em verdade, em verdade vos digo:
Eu sou a porta das ovelhas.
Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores,
mas as ovelhas não os escutaram.
Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo:
é como a ovelha que entra e sai do aprisco
e encontra pastagem.
O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir.
Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida
e a tenham em abundância».
Para os cristãos, o Pastor por excelência é Cristo. Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o rebanho de Deus. Será Ele, de facto, o nosso Pastor? Ou temos outros "pastores" que conduzem as nossas escolhas? A voz da opinião pública e das sondagens, a voz do comodismo e da instalação, a voz do êxito e do triunfo a qualquer custo, a voz dos nossos privilégios?
As ovelhas do rebanho de Jesus devem escutar a voz do Pastor e segui-l'O. Isto significa aderir a Jesus, percorrer o mesmo caminho dele, na entrega total aos projectos de Deus e na doação total aos irmãos. Procuramos nós seguir o nosso Pastor no caminho exigente do dom da vida, ou preferimos outros caminhos mais cómodos?
Senhor Jesus ressuscitado,
Bom Pastor que conheceis os vossos fiéis e os chamais pelo seu nome,
dai fortaleza à nossa fé tão vacilante,
abri os nossos ouvidos,
ensinai-nos a reconhecer a Vossa voz no meio dos ruídos deste mundo,
e reuni num só rebanho os que andam longe de Vós.
“…as ovelhas seguem-no
porque conhecem a sua voz.” (Jo 10, 4)
Com que voz…!
Dizem os pediatras que é na barriga das mães que começamos a reconhecer as vozes da mãe e do pai, e de outros que nos falem habitualmente. Parece que tudo o que é vivo gosta que se lhe fale, e até as plantas e os animais reagem às palavras e a expressões da comunicação humana, como a música, por exemplo. Não sei quem me disse que as plantas que tinha em casa andavam mais viçosas e vivazes desde que começara a falar com elas (é claro que não podia dizer isso às vizinhas senão chamar-lhe-iam “maluquinha”!). E também que as vacas davam melhor leite quando ouviam música clássica! Quantas vezes não experimentámos o acelerar do coração ao ouvir a voz de alguém que amamos? E não é pela voz, mais até pelo modo como dizemos, que revelamos o que vai por dentro de cada um?
Gosto de lembrar o primeiro relato da criação e o modo como Deus cria com a sua palavra: “Haja luz… e águas… e terra… e plantas e animais… e o homem e a mulher”. E também como se foi revelando pela voz com que chamou, escolheu, e fez aliança. Chamou os profetas para falarem em seu nome. Enviou o Filho como Verbo feito carne, a Voz feita choro de criança e palavra salvadora: “Levanta-te… vai em paz… os teus pecados estão perdoados… Lázaro, sai para fora… amai-vos como Eu vos amei.” Com que agitação interior escutavam as suas palavras todos os que O ouviam! E como se sentiam reconhecidos e amados mesmo com as suas vidas enredadas e enganadas por mil outras vozes! Aquela voz que dava vista aos cegos, energia aos paralíticos, vida aos mortos prolonga-se na voz dos seus discípulos: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda”, disse Pedro ao paralítico da porta do Templo chamada Formosa!
No meio de tantas vozes, que a instabilidade económica e política propicia, temos sede de confiança. Não bastam vozes esperançosas ou denunciadoras; é preciso que quem fala seja merecedor de confiança. Não se pede que seja perfeito, mas que seja humilde, que seja coerente, que não ceda à corrupção ou ao oportunismo. Que arrisque a vida por aquilo que diz, restaurando a dignidade das palavras, e levando quem escuta a comprometer-se na mudança. Se muitas vozes servem mais para dividir e buscar glórias pessoais, ou para adormecer e fazer crescer a desconfiança, estamos a matar as palavras! Como é a nossa voz de cristãos por entre o imenso ruído de fundo deste tempo? É voz que acolhe, que liberta, que promove, que não julga mas procura salvar? Acreditamos mesmo que a voz de Cristo passa pelos nossos lábios? E como Igreja a palavra precisa encarnar primeiro em nós?
Quando conhecemos a voz de quem nos quer bem e nos estimula a ser mais; voz que suscita diálogo e não adormecimento; voz que lança pontes e abre portas à beleza; voz que é encontro com Deus e nos convoca para mudar o que está mal; também queremos seguir o pastor que nos cativou! Mas o inverso também é verdade!
Vítor Gonçalves