I Domingo da Quaresma B
As Leituras bíblicas sublinham dois aspectos da mesma realidade: O Baptismo e a Conversão, isto é, a acção salvífica de Deus e a resposta humana.
A primeira Leitura é um extracto da história do dilúvio. Apresenta-nos a Quaresma de Noé. Através do dilúvio, que durou 40 dias e 40 noites, Deus purificou a humanidade corrompida. O Dilúvio foi o grande baptismo de todo o Universo, que renasceu das águas para estabelecer uma nova Aliança. E o arco-íris deixado por Deus no céu foi o sinal dessa Aliança, desse abraço entre o céu e a terra, entre Deus e os homens. A acção de Deus destina-se a fazer nascer uma nova humanidade, que percorra os caminhos do amor, da justiça, da vida verdadeira.
Na segunda Leitura, S. Pedro lembra-nos que as águas purificadoras do Dilúvio são imagem das águas purificadoras do Baptismo. Pelo Baptismo, os cristãos aderem a Cristo e à salvação que Ele veio oferecer. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida; e, envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, tornaram-se o princípio de uma nova humanidade.
No Evangelho, Jesus mostra-nos como a renúncia a caminhos de egoísmo e de pecado e a aceitação dos projectos de Deus está na origem do nascimento desse mundo novo que Deus quer oferecer a todos os homens (o Reino de Deus). Aos seus discípulos Jesus pede – para que possam fazer parte da comunidade do "Reino" – a conversão e a adesão à Boa Nova que Ele próprio veio propor.
Leitura do Livro do Génesis
Deus disse a Noé e a seus filhos:
«Estabelecerei a minha aliança convosco,
com a vossa descendência
e com todos os seres vivos que vos acompanham:
as aves, os animais domésticos,
os animais selvagens que estão convosco,
todos quantos saíram da arca e agora vivem na terra.
Estabelecerei convosco a minha aliança:
de hoje em diante
nenhuma criatura será exterminada pelas águas do dilúvio
e nunca mais um dilúvio devastará a terra».
Deus disse ainda:
«Este é o sinal da aliança que estabeleço convosco
e com todos os animais que vivem entre vós,
por todas as gerações futuras:
farei aparecer o meu arco sobre as nuvens
e aparecer nas nuvens o arco,
recordarei a minha aliança convosco
e com todos os seres vivos
e nunca mais as águas formarão um dilúvio
para destruir todas as criaturas».
Refrão: Todos os vossos caminhos, Senhor,
são amor e verdade para os que são fiéis à vossa aliança.
Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me as vossas veredas.
Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
porque Vós sois Deus, meu Salvador.
Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
e das vossas graças que são eternas.
Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
por causa da vossa bondade, Senhor.
O Senhor é bom e recto,
ensina o caminho aos pecadores.
Orienta os humildes na justiça
e dá-lhes a conhecer a sua aliança.
Leitura da Primeira Epístola de S. Pedro
Caríssimos:
Cristo morreu uma só vez pelos pecados
– o Justo pelos injustos –
para vos conduzir a Deus.
Morreu segundo a carne,
mas voltou à vida pelo Espírito.
Foi por este Espírito que Ele foi pregar
aos espíritos que estavam na prisão da morte
e tinham sido outrora rebeldes,
quando, nos dias de Noé, Deus esperava com paciência,
enquanto se construía a arca,
na qual poucas pessoas, oito apenas,
se salvaram através da água.
Evangelho de Nosso senhor Jesus Cristo segundo S. Marcos
Naquele tempo,
o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto.
Jesus esteve no deserto quarenta dias
e era tentado por Satanás.
Vivia com os animais selvagens
e os Anjos serviam-n'O.
Depois de João ter sido preso,
Jesus partiu para a Galileia
e começou a pregar o Evangelho, dizendo:
«Cumpriu-se o tempo
e está próximo o reino de Deus.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
O Evangelho fala-nos da Quaresma de Jesus no deserto. Mais do que uma narrativa histórica, trata-se de uma catequese que S. Marcos quer partilhar connosco.
O deserto, para os judeus, é o lugar privilegiado do encontro com Deus. Foi no deserto que o Povo experimentou o amor e a solicitude de Deus e foi no deserto que Deus propôs a Israel uma Aliança. Contudo, o deserto foi também o lugar da prova, da tentação. No deserto Israel sentiu, várias vezes, a tentação de escolher caminhos contrários aos propostos por Deus...
Para Jesus o deserto é o lugar do encontro com Deus e do discernimento dos seus projectos. E é o lugar da prova, enfrentando a tentação de abandonar Deus e de seguir outros caminhos.
Quarenta é um número simbólico que lembra o tempo da caminhada do Povo no deserto e a experiência de Moisés no Sinai; de Elias até chegar ao monte de Deus; de Jonas e dos habitantes de Nínive que fizeram penitência...
Satanás representa os que se opõem ao estabelecimento do Reino de Deus.
As tentações simbolizam as provações que Jesus teve de enfrentar ao longo de toda a sua vida para se manter fiel à missão confiada pelo Pai.
Jesus confrontou-se com dois caminhos, com duas propostas de vida: ou viver na fidelidade aos projectos do Pai; ou frustrar os planos de Deus, enveredando por um caminho messiânico de poder, de violência, de autoridade, ao jeito dos grandes deste mundo.
A vida de Jesus será uma luta constante de superação até a vitória definitiva na cruz, através da Ressurreição. Jesus escolheu viver na obediência às propostas do Pai. Da sua opção, vai surgir um mundo de paz e de harmonia.
Após ser baptizado e ter superado no deserto as tentações do diabo, onde ficou durante quarenta dias num clima de oração e de penitência, Jesus inicia o seu trabalho apostólico, anunciando: "Está próximo o reino de Deus; arrependei-vos e acreditai no Evangelho". As mesmas palavras, que ouvimos quarta feira passada ao recebermos as cinzas e que são um resumo do espírito da Quaresma que estamos a iniciar.
A nossa Quaresma. No deserto da vida, todos somos continuamente tentados contra o projecto de Deus, contra a vida, a justiça e a Paz. Nós também somos convidados à conversão e a acreditar no Evangelho. Demonstramos isso, com gestos concretos promovendo a paz nas pessoas, nas famílias e na comunidade
Quaresma é dilúvio e deserto. É Dilúvio que arranca o pecado e leva a construir a área de Salvação e é Sinal de que Deus está em Paz connosco. É Deserto pela espiritualidade do despojamento, que nos propõe.
Quaresma é converter-se e acreditar. Converter-se é muito mais que fazer penitências ou realizar privações momentâneas. É fazer com Deus seja o centro de nossa existência e ocupe sempre o primeiro lugar.
Acreditar não é apenas aceitar um conjunto de verdades intelectuais. É aderir à pessoa de Cristo, escutar a sua proposta, acolhê-la no coração e fazer dela o guia de nossa vida.
Que pretendo eu fazer neste tempo favorável da Quaresma? Que gestos concretos vou pôr em prática? Quais são os momentos especiais de Oração e de Deserto que eu vou intensificar? Que tipo de jejum vou praticar? Quais os actos de Caridade que pretendo realizar? O que vou eu fazer de diferente para promover a paz e o perdão na família e na comunidade? É importante estabelecermos os critérios da nossa Quaresma, para que a Páscoa aconteça dentro de cada um de nós.
Na tribuna aberta do Hyde Park, em Londres, um pregador tecia maravilhas ao Cristianismo nos 2000 anos da sua história. Um ouvinte, objectou:
— Vós cristãos devíeis ter vergonha. Depois de vinte séculos ainda há muita conversão a fazer. Celebrais um grande Jubileu mas esqueceis a vossa miséria.
O pregador não se descompôs:
— Pois é, meu caro. O Sabão existe desde há muitos séculos mas nem por isso deixou de haver sujidade. É preciso em primeiro lugar saber que estamos sujos e depois agarrar no sabão.
A Quaresma que iniciámos tem uma especial importância, para todos nós. Digamos que estes 40 dias são uma espécie de sabonete que temos ao nosso alcance para nos prepararmos para um encontro com Cristo glorioso. Iniciámos esta caminhada impondo-nos as cinzas, que para além do mais, tem reconhecidas propriedades detergentes. Esta é uma boa oportunidade de fazer uma purificação da memória. A história da Igreja é uma história de santidade. A vida de tantos santos confirma a verdade do Evangelho, sinal visível de que também podemos ser perfeitos. No entanto, é forçoso reconhecer que a história também regista numerosos episódios que constituem um contra-senso para o cristianismo. Este é o tempo de purificação. E sabão não falta.
«O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto.
Jesus esteve no deserto quarenta dias
e era tentado por Satanás.» (Mc 1, 12).
Pede à Quaresma
que te ensine o caminho do deserto.
Para que o teu coração se deixe purificar.
Da tentação de tudo possuir.
Do egoísmo do não-compromisso.
Da ganância do isolamento.
Ou da omnipotência de tudo realizar.
E querer ser deus.
E da ousadia de não saber esperar.
E da certeza de possuir a verdade.
Pede à Quaresma
que te mostre o caminho do deserto.
Onde Jesus te dará o pão da Palavra e do silêncio.
No deserto o coração saberá encontrar
o silêncio que regenera e reinventa.
No deserto o silêncio fará do teu coração uma fonte
de onde pode jorrar a verdade de Deus.