Adorar a Deus em Espírito e Verdade (Jo 4,23)
Espírito Santo, concedei-me o dom do temor de Deus, para que eu me lembre sempre, com suma reverência e profundo respeito, a Vossa divina presença, trema como os próprios anjos diante da Vossa divina majestade e nada receie tanto como desagradar-Vos!
O ponto de partida
Na sua mais recente passagem por Portugal, aquando da Jornada Mundial da Juventude, o papa Francisco, na homilia das Vésperas do dia 2 de Agosto, em pleno Mosteiro dos Jerónimos, disse o seguinte:
«Como rezo eu? Como um papagaio, blá, blá, blá, ou dormitando diante do Sacrário, porque não sei como falar com o Senhor? Rezo? Como rezo? Apenas na adoração, só diante do Senhor, é que recuperamos o gosto e a paixão pela evangelização. E, curiosamente, perdemos a oração de adoração; e todos, sacerdotes, bispos, consagradas, consagrados têm que a recuperar: recuperar aquele permanecer em silêncio diante do Senhor. A Madre Teresa [de Calcutá], envolvida em tantas coisas da vida, nunca deixou a adoração, mesmo nos momentos em que a sua fé vacilava, questionando-se se tudo aquilo era verdade ou não».
Penso que este parágrafo é suficiente para voltar a centrar a nossa atenção na adoração. Afinal de contas, o Papa diz que a adoração é fundamental para recuperarmos o gosto e a paixão pela evangelização, ou seja, para evangelizar com entusiasmo e audácia é preciso permanecer em silêncio diante do Senhor; para ir ao encontro dos outros é preciso aprender a estar só diante do Senhor. Não são duas dimensões opcionais ou exclusivas, mas implicam-se e compenetram-se mutuamente. É assim que seremos verdadeiramente “contemplativos na acção”; é assim que seremos verdadeiros “discípulos-missionários”.
Esta conclusão é surpreendente, porque questiona o nosso activismo desenfreado e o nosso voluntarismo ingénuo. Só arderemos do desejo de levar Jesus a todos, se gastarmos tempo de qualidade em silêncio diante d’Ele, porque ninguém pode dar aquilo que não tem. A nossa fecundidade apostólica decorre destes momentos diante do Santíssimo.
O papa Francisco põe ainda o dedo na ferida, ao dizer «perdemos a oração de adoração». É preciso ter em conta que esta é uma denúncia que ele vai repetindo paulatinamente e que nós demoramos em reconhecer, aceitar e mudar de rumo. Serve como exemplo aquilo que ele nos diz na encíclica sobre o cuidado da criação:
«Quando o ser humano se coloca no centro, acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes, e tudo o mais se torna relativo. Por isso, não deveria surpreender que, juntamente com a omnipresença do paradigma tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites, se desenvolva nos indivíduos este relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante» (LS 122).
Quando deixamos de adorar a Deus, passamos a adorar deuses menores, feitos pelas nossas próprias mãos. Note-se que aqui não há meios-termos: ou adoramos a Deus ou adoramos objectos; ou crescemos na união a Deus ou nos amarramos a ídolos.
O que é a adoração?
A adoração, como atitude fundamental do crente que reconhece a Deus como infinitamente superior às suas criaturas, «não é algo especificamente cristão» (1), mas assume um lugar especial na vida daqueles que querem seguir Jesus, o perfeito adorador do Pai.
O Catecismo da Igreja Católica define a adoração como «o primeiro acto da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-Lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso. “Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto” (Lc 4, 8) – diz Jesus, citando o Deuteronómio (Dt 6, 13)» (2).
O fim da religião é ligar o ser humano a Deus e a adoração aparece como a primeira atitude humana perante o Criador. Este primeiro acto não deve ser entendido do ponto de vista cronológico nem designa uma precedência temporal; este primeiro acto refere-se a uma prioridade ontológica, ou seja, «adorar é o acto que mais adequadamente condensa as diversas e fecundas relações do homem com Deus» (3). Adorar torna-se, portanto, uma necessidade para o ser humano, sob pena de ele próprio se desorientar e perder o rumo.
O Catecismo da Igreja Católica acrescenta ainda: «adorar a Deus é reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o “nada da criatura”, que só por Deus existe. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-Lo, exaltá-Lo e humilhar-se, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas e que o seu Nome é santo. A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar sobre si próprio, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo» (4).
A adoração leva-nos a centrar-nos unicamente em Deus. Quem adora descentra-se de si mesmo, descentra-se dos ídolos, descentra-se das criaturas, para se centrar no Deus único. Neste sentido, «a adoração é o pórtico de acesso à intimidade com Deus. Os passos mais elevados da vida espiritual apoiam-se na adoração, porque têm por base o Amor recebido de Deus; e este Amor só se apreende em todo o seu esplendor, quando se capta a grandeza de Deus e a pequenez da criatura. Ou seja, quando se começa a adorar» (5).
Em geral, tendemos a considerar que a expressão mais imediata da adoração é a reverência, o acatamento ou o assombro, mas é preciso compreendê-la a partir do amor. Como refere M. Ordeig, «uma das acepções linguísticas de adorar é, precisamente, amar em extremo» (6). É por isso que a fé genuína e autêntica do povo cristão o leva a dizer tantas vezes que «adorar só a Deus».
Quando adora a Deus, «reconheço que Ele me criou com toda a liberdade, sem ser obrigado, para me comunicar o seu amor. A dependência que tenho dele, Ele que possui sobre mim todos os direitos, não produz em mim nem angústia nem alienação. Ao contrário, é fonte de uma imensa confiança e de um abandono. Só nos podemos abandonar a quem cuida de nós e que nos é benevolente» (7). Só nos podemos abandonar a quem nos ama verdadeiramente.
A adoração é uma forma de oração contemplativa, ou seja, é «uma oração sossegada em que não é preciso fazer nada, senão “expor-se” simplesmente à mais sólida prova do amor de Deus» (8). Neste sentido, é adoração o reconhecimento pleno de gratidão diante d’Aquele que é o nosso criador e salvador. Se a adoração for um acorde, as notas que o compõem são a fé, o louvor, a gratidão e o amor.
Numa catequese a crianças que se preparavam para receber a Primeira Comunhão, o papa Bento XVI explicava-lhes a adoração do seguinte modo: «adorar é reconhecer que Jesus é o meu Senhor, que Jesus me mostra o caminho a tomar, me faz entender que vivo bem somente se conheço a estrada indicada por Ele, somente se sigo a via que Ele me mostra. Portanto, adorar é dizer: “Jesus, eu sou teu e sigo-Te na minha vida; não quereria jamais perder esta amizade, esta comunhão contigo”. Poderia também dizer que a adoração, na sua essência é um abraço com Jesus, em que eu digo: “eu sou teu e peço-Te que Tu também estejas sempre comigo”» (9). Esta parece-me uma definição muito inspiradora para aqueles tempos em que estamos sentados, diante do Santíssimo Sacramento exposto na custódia. Fala-nos do desejo de uma união com Jesus, feita de amizade e comunhão com Ele. Fala-nos da adoração como um estar com um amigo com quem nos sentimos bem.
Jean-Hilaire Ardillier adverte que «a adoração não considera Deus sob um “ângulo” particular: ela vê-o naquilo que Ele é nele mesmo. Ela faz-me perceber que só Ele é absolutamente primeiro, e que todo o resto, mesmo aquilo que me é mais querido, mesmo a minha própria vida, mesmo os meus maiores desejos, lhe são relativos. Esta primazia de Deus na minha vida, que coloca todas as outras coisas no seu lugar certo, introduz a paz» (10). Segundo este autor, a adoração é «o ato interior através do qual me coloco na presença de Deus, reconhecendo, com a minha inteligência, o seu domínio absoluto sobre a minha vida» (11).
Esta relação entre primado de Deus e adoração é muito sugestiva e pode ser uma interessante pista para a nossa meditação pessoal, porque a vida consagrada deseja ser uma afirmação existencial do primeiro lugar dado a Deus na vida humana. Poderíamos ir um pouco mais longe e dizer que ser consagrado é abraçar um estado de adoração perpétua de Deus. As nossas Constituições dizem que somos chamados para «testemunhar o primado do Reino» (Cst 13).
Saber adorar, portanto, é «reconhecer-se pequeno perante a grandeza de Deus e deixar-se conduzir pela sua mão» (12). Esta tomada de consciência do próprio pecado e da própria pequenez é uma condição sine qua non para que o crente possa adorar a Deus «em espírito e verdade» (Jo 4, 23).
Por seu lado, Pablo d’Ors escreve que «esta é uma palavra que hoje nos parece estranha, mas adoração significa, muito simplesmente, que o homem não se realiza pela via do ego, mas saindo do seu micromundo e superando essa tendência tão nefasta como generalizada da apropriação e autoafirmação. Adoração quer dizer apenas deixar de viver desde o pequeno eu para dar lugar ao eu profundo, onde mora o hóspede divino. A adoração ou oração contemplativa é a única medicina frente à idolatria do eu. “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás” é a resposta de Jesus à última tentação com que o diabo o põe à prova. Isto hoje poderia traduzir-se assim: tu não és o centro do mundo, sai de ti mesmo» (13).
Provavelmente, a nossa dificuldade para adorar encontra-se aqui mesmo. É a nossa autorreferencialidade que impossibilita que nos prostremos diante do Criador e lhe prestemos a nossa adoração. Quando o papa Francisco diz que perdemos a adoração, não quererá dizer que vivemos demasiado centrados em nós e nas nossas preocupações quotidianas?
Quando o ser humano toma consciência da presença de Deus, sente o desejo de O adorar. Perante a proximidade do Criador, a atitude humana natural é a adoração. Nas palavras do papa Francisco, «existimos não só pelo poder de Deus, mas também na sua presença e companhia. Por isso O adoramos» (LS 72).
Concluo com a definição de M. Ordeig: «adorar pressupõe render-se totalmente ante a Bondade, a Grandeza, o Amor, a Misericórdia e a Humildade de Deus. A sua consequência mais imediata é o despojamento pessoal: sentir com inusitada força a pequenez pessoal. E o fruto é pôr a vida inteira à disposição de Deus: gastar o próprio eu a glorificar, louvar, bendizer, exaltar e dar graças… a esse Deus infinitamente bom e infinitamente humilde» (14). Esta tentativa de definição da adoração parece-me muito dehoniana, no sentido em que associa adoração e oblação, adoração e entrega, adoração e disponibilidade, adoração e união com Deus.
Jesus, o Adorador por Excelência
Ao longo de toda a sua vida, e sobretudo na cruz, Jesus é aquele que adora «em espírito e verdade» (Jo 4,23). Se a nossa adoração é frágil e sempre ameaçada, a adoração de Jesus é plena e ardente de caridade. Com a sua Paixão e Morte, Jesus tributa um acto de perfeita adoração ao Pai. Por isso, Jesus é o perfeito adorador, que, em nenhum momento, se deixa levar pela tentação de adorar outros deuses para além do Pai, como se pode ler em S. Mateus: «de novo o Diabo o levou consigo a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória. E disse-lhe: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”. Jesus respondeu-lhe, então: “Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto” (Mt 4,8-10).
Jesus é o perfeito adorador do Pai, porque, neste contínuo confronto entre adorar a Deus ou adorar os ídolos, Ele nunca resvalou para a adoração dos falsos deuses. Jesus é o perfeito adorador do Pai, porque adora-O sempre a partir do imenso amor que os une e nunca a partir daquele temor que tende a afastar a criatura do seu Criador. Jesus é o perfeito adorador do Pai, porque a verdadeira adoração é aquela que aceita a vontade de Deus, mesmo apesar das profundas resistências que se podem erguer: «Meu Pai, se é possível, que se aparte de mim este cálice! No entanto, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres» (15).
O Evangelho de João mostra-nos Jesus a dar glória a Deus: «Pai, dou-te graças, porque me ouviste. Eu já o sabia, porque sempre me ouves, mas disse-o por causa da multidão que me rodeia, para que acreditem que Tu me enviaste» (16). «Dar glória a Deus é um destacado ingrediente da adoração. Quem louva e glorifica a Deus, adora-O. E muitas vezes a adoração nasce da gratidão, noutras da admiração, e noutras da verdade» (17).
Adorar a Cristo no Sacrifício e no Sacramento
De forma clara e peremptória, Bento XVI escreveu que, «na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se connosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior acto de adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d'Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste. O acto de adoração fora da Santa Missa prolonga e intensifica aquilo que se fez na própria celebração litúrgica» (18).
Talvez nos soe estranho e surpreendente escutar que a Eucaristia é «o maior acto de adoração da Igreja», porque tendemos a olhar a Eucaristia a partir de outros prismas igualmente válidos. No entanto, desta citação podemos extrair algumas conclusões relevantes para a nossa compreensão da adoração eucarística.
Em primeiro lugar, se o grande momento de adoração é a própria celebração eucarística, então, nas palavras de C. Cabecinhas, «a adoração eucarística vive-se, antes de mais, na participação activa, interior e consciente na celebração da Eucaristia. A celebração é a forma primeira e mais importante da adoração eucarística» (19). Com efeito, já desde a Idade Média, que a elevação da hóstia e do cálice, durante a consagração, suscitam a adoração interior e exterior dos fiéis e não será por acaso que o Missal pede ao presidente da celebração que faça uma genuflexão nestes momentos.
Não pode haver qualquer separação ou ruptura entre Eucaristia e a adoração eucarística. Em nenhum momento, esta é concorrente ou substituta daquela, mas orienta-se e encaminha-se sempre para a Eucaristia. Caso contrário, teríamos uma divergência entre piedade privada e piedade litúrgica, algo que o Vaticano II recusava (cf. SC 13). «A nossa piedade eucarística da adoração deve inserir-se e estar em continuidade com o sacrifício da missa, cume de toda a oração cristã» (20).
Este vínculo estreito entre ambas compreende-se melhor a partir das palavras de Bento XVI: «não é que na Eucaristia nós simplesmente recebemos uma coisa qualquer. Ela é o encontro e a unificação de pessoas; porém a pessoa que vem ao nosso encontro e deseja unir-se a nós é o Filho de Deus. Tal unificação somente pode realizar-se segundo o modo de adoração. Receber a Eucaristia significa adorar Aquele que recebemos. Precisamente assim e somente assim nos tornamos um só com ele. Por isso, o desenvolvimento da adoração eucarística, como se formou durante a Idade Média, era a consequência mais coerente do próprio mistério eucarístico: somente na adoração pode amadurecer um acolhimento profundo e verdadeiro» (21). Estas palavras lembram-nos que a nossa presença diante do Santíssimo Sacramento é uma questão de abertura, disponibilidade e acolhimento d’Aquele que deseja unir-se a nós.
Daqui deriva uma segunda conclusão que nos diz que a adoração eucarística fora da missa há-de ser sempre prolongamento da adoração de Cristo na celebração da Eucaristia, também porque, como refere Marianne Schlosser, «a recepção do Sacramento requer ser revivida a posteriori mediante a meditação orante pessoal» (22). Meditar significa interiorizar, aprofundar, personalizar e permanecer… Neste sentido, a adoração eucarística é um «acto de culto que permite viver, mais profundamente e com maior fruto, a própria celebração litúrgica» (23). A adoração, portanto, é a «continuação contemplativa» (24) da eucaristia.
Recorda-nos o liturgista Pere Tena que «a adoração eucarística nasceu da celebração, ainda que se tenha desenvolvido fora dela. Se se perde o sentido de adoração no interior da celebração, dificilmente se encontrará justificação para a promover fora dela… Talvez esta consideração possa ser interessante para rever as celebrações em que os sinais de referência a uma realidade transcendente quase se esfumam» (25). Daqui pode derivar uma pergunta que nos pode ajudar posteriormente na nossa meditação pessoal: como cuidamos dos nossos gestos eucarísticos de adoração, nomeadamente a genuflexão, a vénia, o ajoelhar-se e o estar em silêncio diante do Santíssimo Sacramento? Apesar da idade poder não permitir alguns destes gestos, como manifestamos a Deus a nossa adoração interior?
A partir da eucaristia, a adoração «é um viver interiormente a missa, é o seu prolongamento contemplativo, uma missa espiritual» (26). A adoração eucarística é um «tempo de oblação pura, para participar interiormente e com total liberdade de espírito no sacrifício de Cristo e deixar-nos invadir pelo Seu amor» (27). Talvez a grande dificuldade seja precisamente aquele espírito activista e voluntarista que torna estes momentos de repouso diante do Senhor uma perda de tempo, quando não um sem-sentido.
A Adoração como Compromisso: Reparação e Entrega de Si
A adoração reforça que o mais importante não é o que fazemos, mas aquilo que recebemos. Quando celebramos a Eucaristia e a prolongamos na adoração, estamos a acolher a revelação de Deus. Este acolhimento transforma o nosso coração e daqui nasce o compromisso social.
A adoração «torna-se também o primeiro passo da resposta a este Deus que se revela como amor, como caminho de santificação» (28). Na Eucaristia e na adoração, «deixamo-nos transfigurar para colaborar na transfiguração do mundo no sentido do mistério pascal» (29). A adoração não nos retira do mundo, ela devolve-nos ao mundo com um espírito diferente.
Não podemos celebrar a Eucaristia sem a celebrar também na vida e na história. Celebrar a Eucaristia na vida e na história implica lutar contra todas as formas injustas de discriminação, contra todas as exclusões e marginalizações, com uma vontade efectiva de dom, de partilha, de reconciliação. Caso contrário, estamos a comer e beber sem discernir o Corpo do Senhor e, portanto, comer e beber a própria condenação (1 Cor 11,29).
«A nossa celebração eucarística abre-se às necessidades dos irmãos, abre-nos ao mundo que nos rodeia. Na adoração, renovamos esta tomada de consciência, esta “atenção às necessidades do mundo” (Cst 35), procurando vê-las com os olhos de Cristo. Renovamos as nossas forças para as compreender e enfrentar com o mesmo amor de Jesus» (30). A adoração, tal como a própria eucaristia, tem uma dimensão social muito forte. Aquilo que celebramos e rezamos aspira, pela sua própria dinâmica interna, a ser transformado em vida oferecida.
Compreendemos a reparação «como dom, como acolhimento da redenção de Cristo» (31), como uma resposta ao amor de Deus contemplado e adorado. A adoração reparadora torna-nos mais atentos às necessidades do mundo. Na adoração, «reparamos tantos esquecimentos e descuidos nossos e dos nossos irmãos: reparamos tudo aquilo que se fez e faz para apagar a recordação de Cristo na mente dos homens e empenhamo-nos para que, por meio do exemplo da nossa vida, por meio das nossas palavras e escritos, cada vez mais os homens experimentem que Cristo é seu irmão, salvador e libertador» (32).
Os Gestos de Adoração
Se é verdade que a adoração «em espírito e verdade» não está vinculada a lugares ou gestos específicos, não é menos verdade que o corpo humano tem uma capacidade natural de exprimir a atitude adorante. «São Tomás de Aquino, reflectindo sobre a adoração, pergunta-se se a adoração, como acto principalmente espiritual, exige algum gesto corporal; e responde afirmativamente: pela genuflexão e pela prostração exprimimos a atitude adorante» (33). Adorar, portanto, é uma acção do ser humano na sua corporeidade. Para adorar a Deus as palavras não são imprescindíveis e nem sequer são o mais importante. O gesto corporal é suficientemente eloquente para prestar adoração. Neste sentido, «não há verdadeira adoração, sem que o corpo traduza em gestos concreto a reverência de uma criatura perante o seu Criador» (34).
No mundo bíblico, «os grandes gestos de adoração são a prostração, a genuflexão, a inclinação e o beijo. Mas todos os gestos e atitudes dos actos cultuais podem ser expressão de adoração» (35). A própria palavra adoração parece ter a sua origem no latim ad os, que significa levar à boca, beijar. Com efeito, era frequente, no mundo antigo, a associação entre a prostração e o beijo (36) como expressão adorante.
O Ritual da Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa recorda que, «diante do Santíssimo Sacramento, quer conservado no tabernáculo quer exposto à adoração pública, genuflecte-se só com um joelho» (37). Esta genuflexão é um gesto de adoração eloquente por si mesma, especialmente quando acompanhada do sentimento respectivo. A realidade, porém, parece ir em direcção bem diferente: genuflexões feitas a correr, pouco conscientes e que levantam a dúvida quanto ao real significado do gesto. Há poucos meses podia-se ler no jornal Voz Portucalense o seguinte:
«raros são os catequistas que se esmeram na educação das crianças para fazerem bem a genuflexão. Contentam-se com uma vénia que, de modo algum, tem uma capacidade equivalente para exprimir o sentido da adoração. Veja-se a diferença claramente expressa em IGMR 274 (38) e 275 (39)» (40).
A este propósito escreveu R. Guardini:
«quando dobrares o joelho, não o faças apressadamente e de forma descuidada. Dá alma ao teu acto! E que a alma do teu ajoelhar consista em inclinar também o coração diante de Deus, em profunda reverência. Quando entrares ou saíres da igreja ou passares diante do altar, dobra o joelho profunda e lentamente e que todo o teu coração acompanhe este flectir. Isto há-de significar: “Meu Deus altíssimo!...”. Isto sim que é humildade e verdade, e fará sempre bem à tua alma» (41).
Efectivamente, não podemos perder de vista que a verdadeira adoração é aquela que une a alma e o coração a cada palavra e a cada gesto. Caso contrário, os gestos perderão a sua força e reduzir-se-ão até se tornarem numa encenação vazia de significado, sentimento e espírito.
Redescobrir o Valor das Visitas ao Santíssimo
Ainda que a nossa adoração eucarística se possa revestir da formalidade e solenidade associada à exposição pública do Santíssimo Sacramento, a verdade é que ela se pode expressar de formas mais simples e acessíveis, nomeadamente através das visitas ao Santíssimo Sacramento, presente no sacrário. Com efeito, se a adoração é sempre um acto voluntário e livre, isto significa que eu posso adorar a Deus quando quiser e em todas as circunstâncias. A minha adoração pode durar um minuto ou mais. Hoje pode durar dez minutos, amanhã só três e, no dia seguinte, outro tanto. As circunstâncias podem determinar a sua duração, mas não têm a palavra final.
A visita ao Santíssimo é uma forma de adoração eucarística pessoal (42) e é também uma excelente pedagogia para «iniciar as crianças no sentido e na beleza de demorar-se na companhia de Jesus, cultivando o enlevo pela sua presença na Eucaristia» (43). As palavras de S. Teresa de Calcutá são, a este respeito, um poderoso testemunho disto mesmo: «o tempo que cada um passa com Jesus no Santíssimo Sacramento é o melhor momento que pode passar na terra».
Dentro da nossa espiritualidade, quero acrescentar ainda que a visita ao Santíssimo é um instrumento muito útil e válido para crescer na união com Jesus. De facto, esta união corre o risco de se tornar meramente abstracta, se não é alimentada por momentos frequentes de encontro com Jesus. A visita ao Santíssimo, não sendo a única via para fortalecer a nossa união a Jesus, é, sem dúvida, uma prática que pode contribuir eficazmente para isso.
A visita ao Santíssimo aparece também como uma modalidade daquele «orai sem cessar» pedido por Jesus. Recordo-me do exemplo da minha mãe que, quando via uma igreja de portas abertas, não hesitava em entrar e aí permanecer em oração diante do sacrário, durante o tempo que lhe era possível.
A visita ao Santíssimo proporciona um tempo de oração pessoal, de grande liberdade, em que cada um pode apresentar a Jesus aquilo que muito bem lhe aprouver em cada momento. Desta forma, seja ao iniciar ou concluir uma actividade, seja ao sair de casa ou regressar a ela, pode haver um encontro adorante com Jesus (44), com aquela mesma facilidade com que nós vamos tomar um café com um amigo de quem temos saudade. Como escreve M. Ordeig: «os momentos em que te aproximas e visitas Jesus Sacramentado são ocasiões privilegiadas para corresponderes ao amor de Deus que te inunda, para Lhe mostrares o teu agradecimento, para te saciares da sua companhia, para te acenderes no seu amor… e depois voltares aos teus afazeres, com a alma trespassada pela solicitude de quem deu a vida por ti e ficou entre nós para que nunca te sintas sozinho» (45).
Concluo este tema, com o testemunho do Francisco Marto, nas palavras da Ir. Lúcia:
«Quando ia à escola, por vezes, ao chegar a Fátima, [o Francisco] dizia-me:
– Olha: tu vai à escola. Eu fico aqui na igreja, junto de Jesus escondido. Não me vale a pena aprender a ler; daqui a pouco vou para o Céu. Quando voltares, vem por cá chamar-me.
O Santíssimo estava, então, à entrada da Igreja, do lado esquerdo. Metia-se entre a pia baptismal e o altar e aí o encontrava, quando voltava. (O Santíssimo estava aí por andar a Igreja em obras).
Depois que adoeceu, dizia-me, às vezes, quando, a caminho da escola, passava por sua casa:
– Olha: vai à Igreja e dá muitas saudades minhas a Jesus escondido. Do que tenho mais pena é de não poder já ir a estar uns bocados com Jesus escondido» (46).
A Adoração na Mensagem de Fátima
Parece-me importante trazer aqui a mensagem de Fátima, não apenas porque somos portugueses e vamos muitas vezes a Fátima ao longo da nossa vida, mas porque, «na mensagem de Fátima, a adoração ocupa um lugar central» (47). Este é, desde logo, um dos vários pontos de proximidade entre a espiritualidade de Fátima e a espiritualidade dehoniana.
Trago à nossa meditação a mensagem de Fátima, porque «o que há de essencial em Fátima é, em última instância, o despertar para a urgência de centrar radicalmente a nossa vida em Deus, como o único que deve ser amado e adorado» (48). Fátima alerta para a nossa indiferença perante o amor divino e exorta-nos a despertarmos deste adormecimento espiritual.
Ainda que não de forma exclusiva, particularmente sugestivas para este tema são as três aparições do Anjo aos Pastorinhos, em 1916, que constituem uma preparação para as aparições de Nossa Senhora, no ano seguinte. Por razões de brevidade, cingir-me-ei apenas à primeira e terceira aparições, porque nelas ressalta, de forma muito clara e compreensível, o tema que estamos a meditar.
Na primeira aparição, conta a Ir. Lúcia, o Anjo da paz «ajoelhando em terra, curvou a fronte até ao chão. Levados por um movimento sobrenatural, imitámo-lo e repetimos as palavras que lhe ouvimos pronunciar:
– Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam» (49).
Esta oração, simples e breve, está profundamente arraigada e popularizada entre nós. Repetimo-lo quase diariamente nas nossas adorações eucarísticas. Chamo a vossa atenção para o gesto corporal que a acompanha: todos se prostram por terra. Voz e corpo revelam uma unidade singular entre si.
O mais surpreendente, porém, é que esta oração intercala a adoração entre as virtudes teologais: «creio, adoro, espero e amo-Vos». Chama a atenção esta interrupção da sequência das três virtudes teologais, mas, de algum modo, ela expressa que a adoração «concentra em si mesma as três virtudes» (50). Crer, esperar e amar são variações da adoração. A nossa adoração a Deus é sempre resultado da fé, esperança e caridade.
A impressão que esta experiência de adoração deixou nas três crianças, nas palavras da Ir. Lúcia, foi muito forte:
«A atmosfera do sobrenatural que nos envolveu era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera que só muito lentamente foi desaparecendo» (51).
Se a voz e o gesto corporal eram concordes, percebemos que os sentimentos interiores experimentados pelos três pastorinhos estavam igualmente sintonizados com aquilo que era dito e feito. Esta experiência de adoração constituiu um verdadeiro encontro com Deus, que deixou uma marca profunda em todos aqueles que a viveram. Os verdadeiros momentos de encontro com Deus são sempre ocasiões de transformação, porque não é possível ficar igual diante do Deus que se revela ao ser humano.
Na terceira aparição, o Anjo ensina aos videntes outra oração, igualmente muito conhecida entre nós, em que a adoração emerge como atitude fundamental:
«Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E, pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores» (52).
Nesta oração, a expressão «adoro-Vos profundamente» parece «remeter para o gesto exterior da prostração, mas sobretudo para a atitude interior. A adoração é atitude interior que se exprime exteriormente e que implica todo o ser da pessoa» (53). Tal como na primeira oração, a adoração aparece intimamente unida à reparação. Aquele que adora a Deus está consciente que o amor divino não é devidamente correspondido e mostra-se disponível para responder positivamente a esse amor.
Uma vez mais, os efeitos desta experiência nos Pastorinhos foram marcantes:
«Levados pela força do sobrenatural que nos envolvia, imitávamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como Ele e repetindo as orações que Ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo. Nesses dias, fazíamos as acções materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico, que nos prostrava, também era grande (54) ».
Ainda que estas expressões de adoração sejam graças extraordinárias, que não se podem impor como normais, elas falam-nos de um encontro entre Deus e o crente, um encontro que nos transforma, porque reconhecer a nossa pequenez diante de Deus engrandece-nos.
Os pastorinhos de Fátima aparecem, por conseguinte, como mestres de adoração para nós hoje. Eles ensinam-nos a prostrar-nos diante de Deus e a deixar-nos habitar e transformar pelo Seu amor infinito. Eles desafiam-nos a não recitar estas orações como simples sucessões de palavras, mas associando sempre os sentimentos mais profundos do nosso coração.
A Adoração na Regra de Vida SCJ
As nossas Constituições apresentam três números que falam directamente da adoração. Passo a transcrevê-los:
«Para o Padre Dehon, fazem parte desta missão, em espírito de oblação e de amor, a adoração eucarística, como autêntico serviço de Igreja (cf. NQT 1.3.1893)» (Cst 31).
«Além disso, cada um deverá prever o tempo suficiente de oração quotidiana, conforme as orientações do Directório particular e a recomendação do Padre Fundador: para viverdes a vida interior, dedicareis todos os dias uma boa meia hora à oração da manhã e uma meia hora à adoração reparadora (Test. Esp.)» (Cst 79 b).
«Na adoração, intimamente ligada à celebração eucarística, meditamos nas riquezas desse mistério da nossa fé, a fim de que a carne e o sangue de Cristo, alimento de vida eterna, transformem mais profundamente as nossas vidas. […] Correspondemos, assim, a uma exigência da nossa vocação reparadora. Na adoração eucarística, queremos aprofundar a nossa união ao sacrifício de Cristo para a reconciliação dos homens com Deus» (Cst 83).
1. Ainda que o nosso Instituto «não tenha sido fundado em vista de uma obra determinada» (Cst 30), a verdade é que «herdou do Fundador certas orientações apostólicas, que caracterizam a sua missão na Igreja» (Cst 30), na medida em que se ordenam ao elemento essencial do carisma dehoniano: a oblação. Na minha perspectiva, orientações apostólicas é algo mais do que obras.
Dentre estas orientações, a adoração eucarística aparece em primeiro lugar. Os dehonianos, nos mais diversos campos da sua actividade apostólica, são chamados a promover a adoração eucarística. Seria natural que os dehonianos fossem conhecidos por serem aqueles que vivem e promovem a adoração eucarística. Aliás, já ouvi um padre diocesano que se referia a nós como aqueles que fazem a adoração eucarística.
Apesar disto, a mim chamou-me a atenção quando, há uns tempos, numa comunidade, se quis fazer adoração eucarística, após a missa de domingo. Como sempre, houve quem gostasse da ideia e houve quem não gostasse tanto assim. Mas o mais surpreendente foi que havia gente, que levando mais de 25 anos de colaboração com a comunidade, que não entendia a razão daquela ideia, porque nunca se tinham apercebido que nós fazemos adoração eucarística. Esta invisibilidade de uma dimensão relevante do nosso carisma deve fazer-nos pensar.
2. A adoração eucarística é apresentada, no n. 31, na perspectiva da oblação reparadora, não como um simples “exercício” espiritual nem como um acto de piedade pessoal ou comunitário, mas «como um autêntico serviço» na Igreja (55). Ainda que o Pe. Dehon, num momento ou noutro, fale da adoração como um “exercício espiritual”, pensa-a sobretudo em termos de serviço. Com efeito, nas Notes Quotidiennes, escreveu que «sem a adoração a nossa obra não realiza a sua missão na Igreja» (56). Além disso, uma testemunha, no seu processo de beatificação, refere esta afirmação do nosso Fundador: «nenhum trabalho pode tomar o lugar deste exercício importante das nossas regras. Não reconheço como meu filho espiritual aquele que habitualmente não faz a adoração» (57). Recordemos ainda a última recomendação do testamento espiritual: «a minha última palavra será para recomendar-vos ainda a adoração diária, a adoração reparadora oficial, que fazemos em nome da Igreja, para consolar Nosso Senhor e para apressar o Reino do Sagrado Coração de Jesus nas almas e nas nações» (58).
3. Cst 83 apresenta a adoração, intimamente ligada à celebração eucarística, como um tempo de meditação que transforma a nossa vida, no qual se opera um aprofundamento da nossa união ao sacrifício de Cristo. Neste sentido, a adoração eucarística é «um momento característico da nossa vida eucarística» (59). As palavras de Bento XVI, que apresenta a adoração eucarística como um prolongamento e intensificação da eucaristia, têm aqui uma explicitação muito clara. À luz do pensamento espiritual do Padre Dehon, a adoração aparece como um modo especial para transformar cada dia e toda a nossa vida «numa missa permanente» (Cst 5).
O padre Dehon estava convencido de que «a eucaristia é o fogo, a base, o centro de toda a vida, de toda a obra, de todo o apostolado. Toda a redenção gravita em torno do Calvário, e toda a sua aplicação gravita em torno do altar. O operário evangélico, que não viva uma vida eucarística, não tem mais do que uma palavra sem vida e uma acção ineficaz» (60).
4. Na minha opinião, é muito interessante esta apresentação da adoração, que a situa numa tensão entre o «autêntico serviço de Igreja» (Cst 31) e a «exigência da nossa vocação reparadora» (Cst 83). A adoração aparece nesta tensão entre serviço (apostólico: para os outros, para a Igreja) e exigência (vocacional: para mim). Se por um lado, a Igreja espera que vivamos e sejamos promotores da adoração eucarística, ela é também uma exigência de fidelidade à nossa vocação. Se a missão e a vocação se identificam com muita naturalidade, para nós, dehonianos, o modo como vivemos a adoração reforça ainda mais esta identificação.
Como exigência vocacional, a adoração aparece como «um tempo puro da nossa oblação reparadora» (61), como serviço de Igreja aparece como «elemento vital da nossa eficácia apostólica» (62). Sendo um “tempo puro” da oblação e da reparação, a adoração é o tempo em que devemos «aprofundar a nossa união ao sacrifício de Cristo para a reconciliação dos homens com Deus» (Cst 83). Por isso, «a adoração é um serviço prestado à Igreja e tem já em si mesmo uma real fecundidade apostólica» (63).
Sabemos que a palavra exigência é um termo forte, mas situar a adoração como uma exigência e um serviço significa que ela é importante em si e também importante para mim. Situada neste eixo, compreende-se de uma forma bastante lógica que sejamos chamados a um tempo de 30 minutos diários de adoração. A adoração é importante para nós como apostolado, mas também como espiritualidade (exercício/prática).
5. Para um dehoniano, a adoração eucarística é fundamental: não é opcional, não é um capricho do momento, não é algo descartável. «Não é para nós uma prática facultativa. É um acto essencial da nossa vocação e da nossa missão aprovada pela Igreja» (64). Ela é um elemento que dá identidade SCJ e a Igreja espera de nós este serviço.
Atenção!!! Quando a Igreja reconheceu o carisma dehoniano e o aprovou, isso significa que espera de nós a adoração eucarística diária e não necessariamente outras coisas. Podemos andar a correr atrás de muitas coisas e esquecemo-nos que «uma pausa de verdadeira adoração tem maior valor e fruto espiritual do que a mais intensa actividade, ainda que seja a própria actividade apostólica» (65). Ao longo destes 25 anos de vida consagrada dehoniana, fiquei com a impressão que falhamos muito neste aspecto e, como já nos habituamos tanto a isso, já não nos custa assim tanto.
6. Nas palavras do padre Manzoni, «vista nesta perspectiva, a nossa adoração eucarística, como é reparadora por si mesma, é por si mesma apostolado. Se a adoração eucarística é para nós, Oblatos-SCJ um autêntico serviço prestado à Igreja, devemos estar atentos que não se transforme em simples exercício de piedade, mais ou menos devocional, atulhado de leituras, de fórmulas, de orações» (66).
«Na adoração eucarística, estamos, de modo muito especial, unidos “à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens” (Cst 6); manifestamos que, para nós, “o único necessário” é a “vida de união à oblação de Cristo” (Cst 26); realizamos “o nosso carisma profético” que “nos coloca ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje” (Cst 27); vivemos “a adoração eucarística”, como nossa primeira orientação apostólica, “como autêntico serviço de Igreja” (Cst 30). (67)
Em suma, «a adoração é mais do que um aspecto “especial” da nossa missão. É também mais do que um momento estabelecido do nosso dia. Ela qualifica o espírito, a mentalidade que deve animar todas as responsabilidades da nossa missão e todas as dimensões da nossa vida. Mais uma vez, acreditamos que, quanto menos a isolarmos, quanto menos a reduzirmos a um simples rito, e quanto mais a ligarmos à nossa vida religiosa e ao nosso trabalho apostólico, melhor encontraremos o seu sentido correcto. E é com esta atitude que poderemos, ao mesmo tempo, ser mais fiéis e mais criativos quanto às maneiras de a realizar»(68).
Encerro esta meditação com as palavras do Pe. Dehon, nas suas Memórias (14.3.1912). Diz-nos ele que a adoração «é a nossa audiência real de cada dia. É a nossa vocação. Devemos ser como os amigos de Betânia junto dos quais Jesus toma as suas refeições»(69). Não esqueçamos que tomar uma refeição juntos remete para o valor da hospitalidade, da convivialidade, da amizade e da fraternidade…
Pe. José Domingos Moreira Costa Ferreira, scj
NOTAS
1. C. CABECINHAS, A Adoração no Contexto da Mensagem de Fátima, 91
2. CIC 2096.
3. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 11.
4. CIC 2097.
5. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 9.
6. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 12.
7. J. H. ARDILLIER, SNPC.
8. M. SCHLOSSER, 129.
9. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 12.
10. J. H. ARDILLIER, SNPC
11. J. H. ARDILLIER, SNPC
12. Ibidem, 9.
13. Pablo D’ORS, “Un padre del desierto para hoy. Las siete palabras de Charles de Foucauld”, Razón y fe 1418 (2016) 520-521.
14. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 14-15.
15. Mt 26,39.
16. Jo 11,41-42.
17. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2019, 93.
18. BENTO XVI, Sacramentum Caritatis, 66.
19. C. CABECINHAS, A Adoração no Contexto da Mensagem de Fátima, 97.
20. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 224.
21. BENTO XVI, Discurso de 22/12/2005.
22. M. SCHLOSSER, 129.
23. BENTO XVI, Sacramentum Caritatis, 66.
24. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 224.
25. PERE TENA in IRABURU, 23, 1ª col.: 212)
26. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 224.
27. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 224.
28. C. CABECINHAS, A adoração no contexto da mensagem de Fatima, 100.
29. A. PANTEGHINI, Carta Circular sobre a Adoração Eucarística, 18.
30. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 225.
31. Carisma e Devozioni: Verso una Identità Dehoniana Inculturata, STD 63, CSD 2017, 225.
32. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 228.
33. C. CABECINHAS, A adoração no contexto da mensagem de Fatima, 99 (Summa Theologica, IIª-IIae q. 84 a. 2 ad 2)
34. A. PINTO, A Adoração e o Padre Dehon, Edições Dehonianas, Porto, 1999, 9.
35. C. CABECINHAS, A adoração no contexto da mensagem de Fatima, 99.
36. Serve a seguinte afirmação como testemunho: «segundo o costume tradicional, a veneração do altar e do Evangeliário é significada pelo ósculo» (IGMR 273).
37. Ritual da Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, 84.
38. «A genuflexão, que se faz dobrando o joelho direito até ao solo, significa adoração; é por isso reservada ao Santíssimo Sacramento e à santa Cruz desde a solene adoração na Acção litúrgica da Sexta-Feira da Paixão do Senhor, até ao início da Vigília pascal. Na Missa, o sacerdote celebrante faz três genuflexões: após a ostensão da hóstia, após a ostensão do cálice e antes da Comunhão. As peculiaridades a observar na Missa concelebrada indicam-se nos lugares respectivos (cf. nn. 210-251). Mas, se o sacrário com o Santíssimo Sacramento estiver no presbitério, o sacerdote, o diácono e os outros ministros genuflectem, quando chegam ao altar, e quando se afastam dele, não, porém, durante a própria celebração da Missa. Aliás, todos os que passam diante do Santíssimo Sacramento genuflectem, a não ser quando se vai em procissão. Os ministros que levam a cruz processional ou os círios, em vez de genuflectirem fazem uma inclinação de cabeça» (IGMR 274).
39. «A inclinação significa a reverência e a honra que se presta às próprias pessoas ou aos seus símbolos. As inclinações são de duas espécies: inclinação de cabeça e inclinação do corpo.
a) A inclinação de cabeça faz-se ao nomear as três Pessoas divinas conjuntamente, ao nome de Jesus, da Virgem Santa Maria e do Santo em cuja honra é celebrada a Missa.
b) A inclinação do corpo, ou inclinação profunda, faz-se: ao altar; durante as orações Purificai o meu coração (Munda cor meum) e De coração humilhado (In spiritu humilitatis); no Símbolo às palavras E encarnou pelo Espírito Santo (Et incarnatus est); no Cânone romano às palavras Humildemente Vos suplicamos (Supplices te rogamus).
Também o diácono faz inclinação profunda ao pedir a bênção, antes da proclamação do Evangelho. Além disso, o sacerdote faz uma pequena inclinação enquanto diz as palavras do Senhor, na consagração» (IGMR 275).
40. SECRETARIADO DIOCESANO DE LITURGIA, Atitudes e Gestos de Adoração (2) in Voz Portucalense, 03.10.2023, p. 16.
41. R. GUARDINI, Sinais Sagrados, SNL, Fátima 2017, pp. 17-18.
42. Cf. BENTO XVI, Sacramentum Caritatis, 67-68.
43. BENTO XVI, Sacramentum Caritatis, 67.
44. Cf. BENTO XVI, discurso de 22/12/2005.
45. M. ORDEIG, A Adoração, Encontro da Escrita, Damaia 2021, 150-151.
46. Quarta Memória, p. 170-171.
47. C. CABECINHAS, A Adoração no Contexto da Mensagem de Fátima, 92.
48. J. J. F. FARIAS, Um fogo que arde, mas não queima. Um ensaio teológico sobre a Mensagem de Fátima, como contributo para a entender e viver hoje em Portugal, Prior Velho 2010, p. 69.
49. Quarta Memória, p. 169.
50. J. DUQUE, «Santíssima Trindade, adoro-Vos profundamente. O percurso temático para 2011-2012», in Santíssima Trindade, adoro-Vos profundamente. Itinerário temático do Centenário das Aparições de Fátima, 1º Ciclo, Fátima 2010, p. 18.
51. Quarta Memória, p. 169.
52. Quarta Memória, p. 170.
53. C. CABECINHAS, A Adoração no Contexto da Mensagem de Fátima, 95.
54. Quarta Memória, p. 171.
55. Cf. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 82.
56. NQ VI, 24; 1.3.1893.
57. AD. B 48/2d. Doc. 12.
58. L. DEHON, Directório Espiritual, pp. 261-262.
59. A. PANTEGHINI, Carta Circular sobre a Adoração Dehoniana, 3.
60. L. DEHON, NQ XXV, 46-47.
61. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 82.
62. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 82.
63. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 83.
64. LC, 196.
65. Descobrir quem disse isto.
66. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 83.
67. G. MANZONI, Oblatos-SCJ. Comentário aos nn. 1-85 das Constituições, STD 26, Aveiro 2000, 224.
68. Carta sobre a adoração eucarística, n. 21.24.
69. LC n. 401.








